Tudo que cerca o filme Som da Liberdade faz chamar
a atenção para si. Talvez isso permita analisar mais de perto,
sob um escrutínio mais atento, como o longa estrelado por Jim Caviezel
articula sua peculiar visão de mundo.
As particularidades não demoram a despontar em
cena. A primeira delas é que Caviezel vive uma versão ficcionalizada de
Tim Ballard e logo o protagonista descobre que uma das crianças
hondurenhas que ele resgata do tráfico internacional de menores tem uma
medalhinha de São Timóteo, e a partir desse ponto Tim passa a ser
chamado em espanhol de Timotéo no filme. Essa codificação católica
de Som da Liberdade é o que acaba diferenciando o filme dos seus pares
de gênero.
É muito curioso acompanhar como o filme do diretor
mexicano Alejandro Gómez Monteverde lida com lugares-comuns
cinematográficos a partir do momento em que escolhe filtrar tudo pela
sensibilidade cristã. Por exemplo, em certo momento o agente
obviamente entregará seu distintivo ao superior para então cumprir a
jornada individualista do heroísmo. Todos os thrillers tratam essa cena
como um protocolo, não importa a intensidade com que o cara bate o
distintivo na mesa e fecha a porta da delegacia. Já em Som da Liberdade,
os personagens dizem que “a lei é a lei”
com um sabor amargo diferente.
A estética de Som da Liberdade, muito conhecida
dos filmes independentes, vem acompanhada de ingredientes visuais e
convenções narrativas básicas. A direção cria uma dinâmica
excessiva num enredo que jamais sai da superfície. E não sai da
superfície porque não está interessado em usar o poderoso tema em
discussão para ir ao cerne da nojeira da pornografia infantil.
Afinal, na raiz do problema está um outro tipo de
pornografia, aquela “aceitável” em sociedade; está no tabu da educação
sexual nas escolas; a regulamentação da internet; a ineficiência da
segurança pública para todos; a pobreza, a fome e a falta de informações
que a maioria das pessoas têm sobre direitos básicos sobre todo tipo de
crime desde que haja dinheiro envolvido. Mas discutir
verdadeiramente o abuso sexual de menores em escala internacional é
muito complexo para uma obra ancorada na criação de um homem-mito vindo
da “Terra da Liberdade”.
Não há polêmica em Som da Liberdade. O que
se faz é contar a história de um homem, visto e representado com um
grande herói cristão, capaz de resolver os problemas que o filme pincela
despreocupadamente, com uma história no eixo da ação e reação.
A
mensagem de encerramento reforça a passividade da platéia, praticamente
clamando para que se encontre um “novo herói
local” que fará, sozinho, aquilo que as forças oficiais não
fazem. Nada se questiona ou contextualiza.
Fonte: omelete.com.br/ planocritico.com
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